O que eu aprendi quando perdi meu filho

Meu filho faleceu aos 7 meses de idade como resultado de um problema de formação fetal muito raro que só acontece em 1 em cada 400 mil bebes

Meu filho faleceu aos 7 meses de idade como resultado de um problema de formação fetal muito raro que só acontece em 1 em cada 400 mil bebês. Neste artigo, quero conversar com você sobre como olhar para situações extremamente difíceis, conseguir continuar a caminhada e aprender com as dificuldades.


Primeiramente, é usual usar a palavra “perder”, mas eu não sinto que "perdi" meu filho e sim que ganhei um filho. Se eu nunca tivesse tido o Samuel, eu nunca teria tido um filho em um contexto tão especial e que me ensinou tanto. E é justamente essa experiência que me tornou uma pessoa melhor e não ter passador por isso seria uma perda. Mas como não é possível perder algo que não se tem, ou seja, se ele não tivesse nascido, eu não o teria “perdido” essa vivência, então nem neste contexto é aplicável a palavra “perder”. Se você chegou nesse post buscando auxílio com algo que você está passando, minha primeira dica é não utilizar a palavra "perder".

Eu tenho um hobby um pouco peculiar, adoro sair para andar e tomar um café para observar pessoas. Gosto de ver como as pessoas agem, interagem e lidam com situações do dia a dia. Desde o início da gravidez, minha atenção tem se voltado ainda mais para bebês e crianças. Inclusive, um dos exercícios que faço é imaginar todas as pessoas como bebês. Já imaginou que todas os adultos no mundo um dia foram bebês e precisaram e alguém que cuidasse a os alimentasse, trocando fralda e tudo mais. Mesmo as "piores" pessoas que você pode imaginar. Pois bem... observando crianças e seus pais, é raro ver pais que parecem realmente estar aproveitando e gostando do momento que passam com os filhos. Na maioria das vezes, a impressão que dá que os pais estão simplesmente cumprindo tarefas e tentando evitar possíveis desastres que os filhos possam causar.

Quando o Samuel estava para fazer 2 meses, foi descoberta uma nova complicação nele. Algo também raro que acontecem em apenas 1 a cada 15 mil bebês. Se você fosse calcular a possibilidade de ambos acontecerem no mesmo bebê (considerando eventos independentes) a probabilidade seria de 1 em 6 bilhões. Isso é muita sorte ou muito azar? As duas condições sobrepostas fizeram com que as cirurgias que nós esperávamos fosse impraticável, tornando o Samuel um desafio maior que a medicina atual consegue lidar. Com isso, ele foi colocado em cuidados paliativos, ou seja, não havida nada mais a ser feito para "resolver" a condição dele.

Com um filho em cuidados paliativos, cada segundo é precioso. Cada momento pode ser o último. E nunca se sabe o dia de amanhã. Essa imprevisibilidade aliada ao fato de que nós não tínhamos absolutamente nada a fazer para resolver alguma coisa, nos fez viver intensamente cada momento ao lado dele. O amor que eu sentia ao estar ao lado dele era tão grande que é impossível descrever. Ele me ensinou a amar em um nível muito mais alto do que eu imaginava ser possível. E é como se um portal houvesse se aberto e eu pudesse ver que existe muito mais no mundo que eu conseguia ver antes. Se o Samuel viesse ao mundo sem necessidades especiais, talvez eu seria mais um pai que apenas mantêm o filho vivo, mas é incapaz de se conectar e aproveitar os momentos que passam juntos. Pois isso, quando você passar por momentos difíceis, aprecie o aprendizado que sempre se tira dos desafios, veja como o sentido do mundo muda e o que era importante antes perde a importância diante de uma nova realidade. Talvez um momento difícil seja um catalizador para uma reação que pode transformar sua vida completamente. Assim como aconteceu comigo.

Talvez nós pudéssemos dividir as grandes dificuldades da vida em 3 momentos: antes, durante e depois. O antes pode ser apenas um medo que tenhamos que algo aconteça, ou algo previsto, como por exemplo o diagnóstico do Samuel. Em ambos os casos, não se sabe exatamente como o desafio realmente vai ser, e o que nos causa sofrimento é imaginação das coisas ruins que podem acontecer. Minha mente imaginou muitas coisas com o Samuel, inclusive sofri muito mentalmente, porém, absolutamente nada aconteceu como eu imaginei, ou seja, eu sofri mentalmente por coisas que nunca chegaram acontecer. Por isso, se você está sofrendo por algo que ainda não aconteceu, lembre-se que sua imaginação sempre será muito diferente da realidade.

A imaginação é sempre diferente de quando estamos de fato durante o desenrolar do problema porque a participação muda completamente nossa relação com o desafio. Após o nascimento do Samuel, nossa rotina de hospital era extremamente intensa, tendo que conversar com médicos e enfermeiros o dia inteiro, dia e noite, literalmente. Eu e a Michelle passamos a maior parte do tempo dentro do hospital, muitos dias literalmente 24 horas sem sequer pisar lá fora. E na adrenalina de tudo que acontecia a cada instante e como tudo mudava repentinamente, eu não tinha nem tempo de pensar para elaborar muitos pensamentos ruins pois a realidade já era difícil o suficiente. E ao resolver os pequenos problemas de cada dia, algo me confortava: eu fazia tudo que eu podia pelo Samuel. Isso me trazia paz! E essa é minha dica para você, durante o turbilhão: faça o que você pode fazer e pronto, com certeza isso basta.

Talvez o depois seja a parte mais sofrida para as pessoas, pois é onde está associada a ideia de "perda". Quando o Samuel partiu, nós nos vimos saindo do hospital às 6 horas da manhã sem ele. Em um momento eu estava cuidando dele 24 horas por dia, no outro eu não tinha mais ele para cuidar. De repente me vi sem objetivo na vida. Esse é um longo tema que irei abordar em outros posts, mas por hora, o que te digo é que o tempo vai moldando as coisas e a cada dia nós escolhemos o que reforçar em nossas vidas. A forma que escolho pensar sobre o Samuel dá o tom do meu pensamento e emoção quando ele me vem à mente. De forma alguma quero deixar a impressão que é fácil passar por essa situação, mas nós temos a possibilidade de a cada pensamento de cada dia ter mais paz ou mais tristeza com o passado. Por isso, o policiamento dos pensamentos é fundamental. Busque sempre reforçar os momentos bons ao invés de enfatizar a ideia de "perda". Lembre-se que seja lá o que você "perdeu" não é uma perda, mas sim algo que faz parte da sua história.

No meu caso, o Samuel faz parte de mim e eu sei que faço parte dele, seja lá onde ele estiver nesse momento.

Postado em 4 de março de 2025.

Categorias: : Inteligência Emocional, Propósito, Reflexão, Relacionamento

Entre para minha lista de e-mails